15 de maio de 2024

OS JESUÍTAS NA COVILHÃ


 

Em 1863 foi entregue aos Padres da Companhia de Jesus o Colégio dos Órfãos de S. Fiel. A partir dessa data, logo começaram a ser frequentemente visitados por dois ilustres sacerdotes da Família Grainha, os Padres João e Francisco. Não tardaram estes em pedir aos Jesuítas de S. Fiel a fundação na Covilhã de uma Residência para ministérios. Só em 23 de outubro de 1869 o Padre italiano, Vicente Ficarelli, nessa altura Superior dos Jesuítas em Portugal, enviou para a Covilhã o Padre Nicolau Rodrigues, que se hospedou em casa daqueles referidos sacerdotes.

Foi em 11 de dezembro de 1871 que o Papa Pio IX ordenou que o Padre Nicolau Rodrigues fundasse a suspirada residência. Isso veio a surgir numa casa, no largo fronteiro à Igreja de Santa Maria Maior. A casa foi cedida para esse fim por Luís António de Carvalho, um dos maiores benfeitores logo a partir da primeira hora. A sua generosidade haveria de continuar pelos seus descendentes – a família Crespo de Carvalho. Ao fundador da Residência veio juntar-se o Padre Francisco Xavier de Miranda que até então vivera no Colégio de Cernache do Bonjardim.

Como os dois religiosos jesuítas não dispunham de Igreja própria, exerciam os ministérios sagrados na Igreja de Santa Maria Maior. Não durou muito tempo a estadia do Padre Nicolau e seu companheiro nesta primeira casa. Fizeram os dois jesuítas por encontrar alguma igreja ou capela onde pudessem ter maior liberdade de ação. Compreendeu esta necessidade o Pároco de S. Pedro, que em fins de fevereiro de 1872 lhes confiou a vetusta capela de S. Tiago. Nela fundaram logo três associações: uma para operários sob o título de S. José, outra para ambos os sexos sob o título do Coração de Jesus e do Apostolado da Oração e a terceira para rapazes sob o título de S. Luís Gonzaga. Para junto desta Capela mudaram a Residência ficando instalada numa casa pertencente a Manuel de Belmonte que, generosamente, não exigiu renda. Só em 1876 se pensou na construção de edifício próprio que começou a ser habitado em 1879. É a casa atualmente pegada à Igreja do Coração de Jesus.

Apesar do aumento feito à Capela de S. Tiago, era insuficiente para conter toda a multidão de fiéis qu


e aí acorriam. Pensou por isso o Padre Nicolau por comprar a Capela para no seu lugar se erigir uma Igreja. A aquisição da mesma foi feita por Maria José de Sousa Tavares que em 1875 a vendeu à Companhia de Jesus. Em fins de março desse ano abriram-se os primeiros alicerces para a nova igreja. A primeira pedra foi benzida e colocada debaixo da porta lateral do lado da epístola em 27 de abril. Presidiu à cerimónia o Padre João Grainha estando presente o Pároco de S. Pedro em cuja paróquia ficava situado o novo templo. Tanto as autoridades camarárias, presididas pelo Visconde da Coriscada, Francisco Joaquim da Silva Campos Melo, como os fiéis auxiliarem a construção da Igreja.

A pedido do Padre Nicolau, o Presidente da Câmara com a Edilidade, permitiu o alargamento do átrio fronteiro, consentindo para isso que fosse deitado abaixo um muro alto que o impedia. A pedra desse muro foi doada à Igreja. Assim, esta ligou para sempre o seu nome à Igreja e aos seus possuidores.

Tinha a Igreja 14 metros de altura e 23 de comprimento. Foi aberta ao culto a 25 de dezembro de 1877. A esta Igreja ligou também o seu nome a Família Megre que em 1878 mandou construir um altar em que foi colocada uma imagem da Virgem Mãe, adquirida em França.

Sobrevindo os tempos calamitosos de 1910, foram os Jesuítas da Covilhã espoliados desta Igreja que foi convertida em tribunal e a Residência em dependência desse tribunal.

A 10 de outubro de 1930 regressaram os jesuítas à Covilhã instalando-se no edifício na Rua Nuno Álvares. Em 1947 adquiriu-se a antiga Igreja, ou mais exatamente, as suas paredes – a única coisa que ficara do incêndio que a devorou em 27 de novembro de 1942 (era Comandante dos Bombeiros Voluntários da Covilhã João Garcia).

A 10 de novembro de 1948 fechou-se o contrato com a sua restauração e a 10 de fevereiro de 1952 era de novo aberta ao público com grande solenidade e concorrência de fiéis.

Uma das maiores preocupações dos jesuítas na Covilhã foi a educação da juventude estudantil e operária. Em 1931 fundaram um Colégio para rapazes do 1º. Ciclo dos Liceus. Mas em 1934 teve de ser fechado para não criar, dizia-se, dificuldades ao novo liceu, fundado nesse mesmo ano. Não deixou, porém, de funcionar o Centro Académico, sempre frequentado por grande número de alunos do Liceu e Escola Industrial. Os jesuítas ajudam também, na medida do possível, os Párocos da Cidade.

Atualmente o Centro Académico já não existe tendo os Padres (chegou a haver Irmãos Jesuítas que coadjuvavam nas tarefas da Igreja), passado a residir nas novas instalações anexas à Igreja do Sagrado Coração de Jesus, mais conhecida por Igreja de S. Tiago.

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Nota: As fotos (nem todas foi possível inserir, por falta de espaço) são elucidativas para quem, ainda jovem, visitou e utilizou estas instalações, como eu. Na foto, os vários padres jesuítas, acompanhada dos párocos da altura, são do conhecimento das gentes mais antigas da Covilhã. Dou uma ajuda na sua identificação: Na primeira fila, da esquerda para a direita: Padre Cândido Ferreira, jesuíta (1º); Bispo da Guarda, D. Policarpo da Costa Vaz (6º.); Sr. Clemente Alfredo da Costa Espinho Petrucci (7º.); Cónego Fernando Brito dos Santos (o único vivo com 89 anos) – (8º.).

Em cima, pela mesma ordem: Padre Barreiros, jesuíta (2º.); Cónego Joaquim dos Santos Morgadinho (3º); Padre Pina (4º.); Padre António Oliveira Pita (5º) e Padre José Batista Fernandes (7º).

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 15-05-2024)

O MÊS DE MAIO E O PAPA BEATO PIO IX

 



Giovanni Maria Mastai Ferretti, seu nome de batismo, nasceu em 13 de maio de 1792 e veio a falecer em 7 de fevereiro de 1878, perto dos 86 anos, tendo o seu pontificado sido o mais longo da Igreja, com a duração de 32 anos, depois do de São Pedro, tendo ele todo orientado para a devoção a Maria. Nasceu na Senigallia (Itália).

Oriundo de uma família de nobres, foi batizado no dia do seu nascimento. Revelando vocação para as humanidades, estudou Filosofia, Direito e Teologia em Roma.



Foi notória a sua atenção para com os mais necessitados, suavizando a dura política praticada pelo cardeal Lambruschini.

Resultante de uma separação entre conservadores e liberais, que era o caso de Pio IX, esta eleição ocorreu num panorama histórico e político complicado, onde fatores como a derrota de Napoleão, a unificação da Itália e a perda dos Estados Pontifícios dificultaram a sua obra, tornando-o num dos maiores papas de sempre. Marcado por diversas mudanças, o seu papado iniciou-se com uma amnistia a favor dos presos políticos ou exilados, que lhe valeu grande popularidade. Com a oposição dos jesuítas, Pio IX introduziu os jornais em Roma, permitindo uma maior liberdade de imprensa. A sua ação durante o papado ficou marcada pelo reformismo e pela viragem para um sentido mais conservador.

Nas suas realizações é de referir a solene proclamação do dogma da Imaculada Conceição em 1854, reforçando o poder da Igreja em Espanha, Portugal e América Latina. Também de referir são as sessões do primeiro Concílio do Vaticano, o Concílio Ecuménico Vaticano I, considerado o zénite do seu pontificado, que se iniciou em 1869 e terminou a 18 de julho de 1870.

Manobrado pelas seitas maçónicas, fervia por toda a Itália o movimento tendente à unificação nacional, que exigia o desaparecimento dos Estados Pontifícios. As forças sectárias chegaram a assassinar o primeiro-ministro Pellegrino Rossi, quando se dirigia para a inauguração do Parlamento pontifício. Pio IX vê-se forçado a refugiar-se em Gaeta, no reino de Nápoles. Daí anuncia ao mundo católico a sua fuga forçada e reitera a nulidade das concessões que, coagido, tivera que fazer aos revoltosos. Pio IX recebeu apoio de todo o mundo católico, salientando-se o da rainha portuguesa D. Maria II que lhe escreveu a oferecer asilo no nosso país. Pio IX retribuiria este gesto, assinando em 1857 com D. Pedro V uma concordata sobre o padroado, censurando, no entanto, os bispos portugueses por não terem sabido reagir contra a lastimosa situação religiosa em que caíra o país. Esta reprimenda seria muito atual para o que se passa nos dias de hoje.

A 4 de abril de 1850, o Papa dirige-se novamente para Roma, onde chega uma semana depois, entre aclamações de triunfo e simpatia.

O Papa fica reduzido a Roma e, a 17 de março de 1861, Victor Manuel é proclamado pelo Senado como rei de Itália. Inicia-se para a Santa Sé uma situação dolorosa que só encontraria solução definitiva bastantes anos depois, com o Tratado de Latrão, celebrado em 1929 entre Pio XI e Mussolini, e atualmente em vigor.

Vista à distância, a situação atual, com a Santa Sé reduzida aos 525 hectares do Vaticano, parece a mais conveniente para a Igreja que, livre de preocupações de ordem temporal, se pode dedicar com maior disponibilidade ao governo espiritual dos fiéis.

Ato de relevo neste pontificado seria a proclamação dogmática da Imaculada Conceição de Maria pela Bula Ineffabilis Deus, em 1854, sendo indescritível o júbilo com que a cristandade festejou este acontecimento que Pio IX perpetuou com uma grandiosa coluna erguida em Roma, na Praça de Espanha.

Portugal de há longos anos vivia a fé neste dogma mariano, tendo D. João IV consagrado o reino à Senhora da Conceição – prometendo solenemente “confessar e defender sempre, até dar a vida sendo necessário, que a Virgem Senhora Mãe de Deus foi concebida sem pecado original”.

Por isso, D. Pedro V, após a proclamação dogmática, determina festejos nacionais “por haver Deus inspirado ao pai comum dos fiéis uma resolução de tamanha glória para a Beatíssima Virgem que, sob o título da sua Conceição Imaculada é poderosíssima padroeira destes reinos”.

Quatro anos depois desta definição dogmática, como a confirmá-la, verificam-se em Lourdes as aparições da SS. Virgem que se apresenta como a Imaculada Conceição.

Em maio de 1851, o cardeal-patriarca de Lisboa aprova a devoção do Mês de Maria, prática e piedade popular que ainda hoje perdura.

A devoção do Sagrado Coração de Jesus que, muito espalhada e viva desde o reinado de D. Maria I, havia decaído  com a expulsão da Companhia de Jesus, sua principal alimentadora, vê-se reacendida com o regresso dos jesuítas, que fundam em Lisboa o primeiro núcleo do Apostolado da Oração, a 17 de abril de 1864 – associação que, passados breves anoa, se encontraria implantada em quase todas as paróquias do país, contribuindo eficazmente para o ressurgimento da vida eucarística, e sendo, ainda hoje, com centenas de milhares de associados, uma das principais fontes de piedade popular.

 

 

 

                                             Fontes: “O Grande Livro dos Papas – De São Pedro a Bento XVI” e

“História dos Papas – Luzes e Sombras”, de Heitor Morais, s.j.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-05-2024)

 

 

6 de maio de 2024

“O HOMEM BOM” – MÉDICO E MISSIONÁRIO EM ÁFRICA

 



Em pleno coração de África, há bem mais de cem anos, acampou entre os nativos de uma aldeia indígena um jovem escocês, médico e missionário, Conquistou a amizade do chefe tribal, distribuiu remédios pelos enfermos da tribo  e pregou sobre um Deus, Pai de todos os homens.

David Livingstone nasceu no dia 19 de março de 1813, na Escócia. Em pequeno, trabalhou fiação doze horas por dia. Anos depois, estudou Teologia e Medicina na Universidade de Edimburgo.

Quando chegou a África, no ano de 1840, toda a região central do Continente era um espaço vazio nos mapas. Devido, em grande parte, aos seus esforços, esta zona foi explorada e cartografada, aberta à colonização e ao comércio. Livingstone coroou todo o seu trabalho com uma cruzada incansável contra a escravatura, as superstições e o analfabetismo.

Durante trinta e três anos de trabalho árduo e de viagens, lutando constantemente contra as doenças tropicais, exposto a todo o momento ao ataque dos selvagens e dos animais ferozes, levou a luz da civilização às zonas mais atrasadas do mundo.

Livingstone sentiu-se possuído de uma profunda compaixão pelos negros africanos. O tráfico de escravos revoltou-o e desgostou-o de tal forma que fez voto de dedicar a sua vida a combater esse monstruoso comércio.

A sua atividade médica era parte indispensável da sua obra apostólica. Demonstrava, diariamente, a eficácia do quinino no tratamento da malária. Durante os primeiros cinco anos de trabalho, ele mesmo sofreu trinta e um acessos de febre. Sem quinino, não teria sobrevivido. Com este medicamento, insuflou vida a famílias e a tribos inteiras. Os negros, quando lhes tratava as doenças, chamavam-lhe, com alegria, o Homem Bom.

As façanhas de Livingstone como explorador alinham com as dos maiores aventureiros de todos os tempos. Explorou um terço do imenso Continente – do Cabo até quase ao Equador e do Atlântico ao Oceano Índico, tendo desbravado uma área mais extensa do que a descoberta por qualquer outro explorador. Traçou mapas de todas as regiões que visitou e enviou relatórios pormenorizados à Sociedade Real da Geografia de Londres.

Foi o primeiro europeu a chegar às margens do grande Lago Ngami. Descobriu, também, as magníficas cataratas, duas vezes mais altas do que as do Niagara, que batizou de Cataratas de Victória, em homenagem à sua rainha.

A partir de 1858 Livingstone foi mais explorador do que missionário. Numa lancha a vapor, ele e os seus companheiros exploraram o Zambeze e outras vias fluviais do centro e do leste de África. Descobriram o Lago Niassa, estabeleceram postos missionários, escolas e rotas comerciais.

No princípio de 1866 empreendeu a tarefa perigosa de explorar as vertentes que alimentam o Lago Niassa e o Lago Tanganica. Depois do dia em que Livingstone partiu para essa memorável expedição, só um branco o voltou a ver vivo. Os negros hostis roubaram-lhe as provisões. Chuvas incessantes e moscas trsé-tsé tornaram quase impossível a viagem. Em 1869, gravemente doente, Livingstone foi transportado em liteira até Ujiji, no Lago Tanganica, numa tormentosa viagem que durou dois meses.

Certa noite, na aldeia de Ilala, Livingstone sentiu-se tão exausto que não podia sequer falar. Carinhosamente, os ajudantes colocaram-no no leito. Pouco antes de amanhecer, encontrava-se morto, de joelhos, junto da cama tosca, com a cabeça apoiada sobre as mãos postas.

“Morreu o Homem Bom”. A notícia correu de cabana em cabana, de aldeia em aldeia. Embalsamaram o corpo mas tiraram-lhe o coração para o enterrar, respeitosamente, na terra a que verdadeiramente pertencia.

Começou, então, o cortejo fúnebre mais longo de que há memória na História. Entoando hinos do Evangelho que o “Homem Bom” lhes havia ensinado, os nativos que formavam o cortejo iniciaram uma marcha de nove meses até à costa. De Zanzibar, um navio britânico transportou o corpo para Inglaterra. A 18 de abril de 1874, David Livingstone foi sepultado com todas as honras na Abadia de Westminster.

Fonte: JMCD, “Condensado de Biografias Famosas”.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-05-2024)

23 de abril de 2024

CINQUENTA ANOS DE DEMOCRACIA

 

Depois da ditadura mais longa na Europa, os portugueses irão comemorar no dia 25 de abril meio século de democracia.

Após a implantação da República em 5 de outubro de 1910, o povo português passou por três Repúblicas.

A primeira, de 1910 até 1926, que derrubou a monarquia constitucional, foi um período de grande instabilidade política, com vários governos e presidentes da República.

A segunda, que se designou de Estado Novo, de 1926 a 1974, foi o regime autoritário que se instalou após o golpe militar de 28 de maio de 1926, liderado por António de Oliveira Salazar, que governou o país durante 41 anos.

A terceira, implantada após a Revolução do 25 de Abril de 1974, que pôs fim ao Estado Novo. É o regime democrático atual com um sistema de governo semipresidencialista.

A Ditadura Nacional (1926-1933) e o Estado Novo de Salazar e Marcelo Caetano (1933-1974) foram, conjuntamente, o mais longo regime autoritário da Europa Ocidental durante o século XX, estendendo-se por um período de 48 anos.

Se excluirmos a República de San Marino, um microestado europeu, fundado em 3 de setembro de 301, de apenas 61 Km2 e com uma população estimada em 30 000 habitantes, Portugal foi o terceiro país europeu a ter um governo republicano, depois da Suíça que se tornou uma república independente a 24 de outubro de 1648 e da França que implementou a sua III República no dia 4 de setembro de 1870.

É já neste regime republicano, logo na I República, que irá surgir um dos grandes flagelos mundiais – a I Grande Guerra (1914 – 1918), onde sucumbiram milhares de portugueses que foram integrados nas fileiras do Exército, combatendo nas trincheiras. Entre eles, muitos covilhanenses.

Na segunda república assistimos ao dramático envolvimento nas guerras com os movimentos de libertação das nossas Colónias, então designadas Províncias Ultramarinas e, daí, a chamada Guerra do Ultramar.

O início da guerra em Angola em 15 de março de 1961, pela União dos Povos de Angola (UPA) deixou profundas marcas nos envolvidos nestes bárbaros acontecimentos, onde jorrou muito sangue e lágrimas. Calcula-se que foram barbaramente assassinados 1 200 brancos e 6 000 negros que trabalhavam nas fazendas de algodão. Ainda hoje, esses tempos tumultuosos e algo inesperados são objeto de estudo e controvérsia, tal a sua complexidade. Mas já antes, havia sido a primeira revolta sangrenta nas fazendas no norte de Angola, em 04-01-1961; e em fevereiro, o ataque à prisão em Luanda e a uma esquadra da polícia, pelo Movimento de Libertação de Angola (MPLA). Tenha-se em conta que o Congo ex-Belga que faz fronteira com Angola tinha obtido recentemente a sua independência em junho de 1960. Partilhando dos mesmos ideais, abriu as suas portas aos guerrilheiros angolanos. Durante os oito meses seguintes, os militares portugueses enviados da metrópole (só havia 1.500 soldados, antes da guerra em Angola), combateram a UPA que se destinava sobretudo a fazer guerrilha rural.

Entretanto, entre 18 e 20 de abril de 1961, realizou-se em Marrocos, a Conferência das Organizações Nacionalistas, onde participaram os movimentos de libertação das colónias de Angola (MPLA), da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e a Liga de Goa, Damão e Diu da Índia. O objetivo desta iniciativa era coordenar os esforços da luta contra o colonialismo português, fechado ao diálogo com os Movimentos de Libertação.

Mas na Metrópole dava-se também um golpe militar – “Abrilada” – em abril de 1961, liderado pelo ministro da Defesa Botelho Moniz, contra Salazar e a sua política colonial, que não teve êxito e enervou Salazar que se nomeou a si próprio ministro da Defesa em 13 de abril de 1961 e chamou a si a liderança da guerra do Ultramar.

Em junho do mesmo ano deu-se a fuga de estudantes das colónias que viviam em Lisboa, na “Casa dos Estudantes do Império”, dispersando-se por Espanha, França e Alemanha, a fim de militarem nas fileiras dos movimentos de libertação dos seus territórios. Muitos deles acabaram, mais tarde, por ser líderes e governantes dos seus países após a independência, a partir de 1975. Entre estes estudantes encontrava-se Agostinho Neto que estudava medicina em Coimbra, e também Amílcar Cabral, Mário Pinto de Andrade e Marcelino dos Santos, fundadores de movimentos anticoloniais da Guiné e Cabo Verde, Angola e Moçambique, respetivamente.

Os 13 anos que durou esta guerra levou ao sofrimento, na generalidade, não só dos milhares de militares que participaram nesta guerra subversiva, com consequências trágicas para muitos que não conseguiram voltar, e muitos mais que ainda hoje sofrem de stresse pós-traumático, também as suas famílias, e ao descontentamento dos oficiais do quadro permanente, uma das razões que despoletou o Movimento dos Capitães que deu lugar ao raiar da luz para o 25 de Abril, derrubando a ditadura.

Quem, como nós, passou pelos longos tempos da ditadura de Salazar e Marcelo Caetano, na inexistência de liberdade incluindo a de expressão, e depois sentiu o grande alívio da libertação, não pode deixar de comemorar este meio século de democracia, independentemente dos defeitos que a envolvem proveniente de muitos corruptos, em todos os quadrantes políticos.

Muito haveria para contar mas o espaço e a paciência dos prezados Leitores não o permitem.

Para terminar, deixo aqui tão só a memória do porta-guião do nosso Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes, Carlos Alberto da Silva Ramos, que nos deixou para o destino eterno, em 19 de dezembro de 2023, e cuja foto inseria em pleno a capa da revista “O Combatente”, edição 406, de dezembro de 2023. Este Homem bom, humilde e com colaboração em serviços deste Núcleo, nomeadamente na ajuda dos trabalhos da preparação do envio aos sócios da nosso “O Combatente da Estrela” ainda teve o privilégio de ver a capa, obtida via Internet por um dos seus amigos, no dia 7 de dezembro, já que a revista em papel chegou pelo correio já depois do seu falecimento. Que descanse em paz.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Combatente da Estrela”, nº. 134, ABR.2024)


CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA JOSÉ LUÍS FERRÃO DO NASCIMENTO


 

Neste primeiro trimestre do ano 2024 vamos falar duma figura conhecida no ramo da indústria têxtil e confeção. Tem 73 anos, casado, e dois filhos.

Em 1966 concluiu na Escola Industrial e Comercial Campos Melo da Covilhã o Curso de Formação Geral do Comércio, tendo recebido o diploma de prémio do melhor aluno. Logo começou a sua atividade profissional como escriturário na empresa Ernesto Cruz, na secção de importação-exportação. Necessitando de ter mais conhecimento de inglês, concluiu em 1967 o curso de inglês do Instituto de Linguaphone de Lisboa. Em 1969 foi admitido na Lanofabril como correspondente-tradutor para o departamento de exportação.

Chegada a altura de cumprir o serviço militar obrigatório, em 11 de janeiro de 1971 apresentou-se no RI 5, em Caldas da Rainha, para a frequência do 1º. Ciclo do Curso de Sargentos Milicianos, e, em 4 de abril do mesmo ano, no CISMI, em Tavira, para o 2º. Ciclo (Transmissões de infantaria). Foi promovido a 1º. Cabo Miliciano em 19 de julho. Mas já antes, em 3 de julho iniciou no BRT Trafaria a especialidade de Analista de Informação de Transmissões. Foi entretanto promovido a Furriel Miliciano graduado em 17 de novembro, data em que embarcou para Angola no navio Vera Cruz onde chegou a 29 de novembro. Antes de partir para Angola ainda fez um estágio no CEM. Iniciou a sua função na SECOP – equipa de escuta nos arredores de Luanda e, passados seis meses, integrou a equipa de análise e informação no QG Cheret Angola. Era um trabalho de extrema responsabilidade que consistia em traduzir as mensagens captadas pelas várias equipes de escuta espalhadas por Angola que chegavam diariamente a Luanda via aérea. Mensagens essas vindas do MPLA, FNLA, UNITA, FLEC e forças armadas do Congo Brazaville-RPC e Congo Kinshaza-RDC. Essas mensagens vinham muitas vezes em Francês e Inglês, outras criptadas. Executavam toda a documentação confidencial e difusão. A meio da comissão teve a infelicidade da morte da sua mãe e não conseguiu arranjar transporte para vir à metrópole ao seu funeral, mas foi apoiado pelo grande amigo Álvaro, covilhanense, residente em Luanda, que todos os dias, naquela semana, se encontrava com ele; e também colegas. Em dezembro de 1973 terminou a sua missão e chegou a Lisboa via aérea a 23 do mesmo mês. Recebeu a Medalha Comemorativa das Campanhas de Angola 1971/2/3 e foi louvado pelo Chefe do Estado Maior/QG/RMA.

Em 1974 regressou à Lanofabril como ajudante de técnico de contas, e em 1976, na firma Paulo de Oliveira, para o Departamento de Exportação-Vendas. Ingressou depois na Carveste, no ano 1983, para o Departamento Comercial/Exportação. No ano seguinte, a convite de Rudolf Schweizer, entrou para a ERES-Fundão, pertencente à R. Schweizer Menswear AG em Wange/AAre Suiça, uma das maiores empresas de confeção europeias. Foi responsável pela importação-exportação e assistência na compra de tecido e acessórios nacionais. Paralelamente, de 1986 a 1989 fez parte da firma Vestebem. Após falência da Eres integrou em 2002 o departamento comercial da firma DressUomo, sendo que em fevereiro de 2004 passou a ser diretor comercial para a firma Tessimax, do grupo Paulo de Oliveira. Aposentou-se em 2011 quase a caminho de meio século de trabalho. Gosta de caminhar, fazer natação, jardinagem, bricolagem, música, cinema, teatro e futebol.

E para terminar a sua vasta carreira do que se pode chamar um Homem às direitas, atualmente é voluntário na Conferência de São Vicente de Paulo de S. Martinho, católico, tendo, em jovem, pertencido à JOC, e é também secretário na Assembleia do Grupo Recreativo Refugiense.

Muito mais haveria a dizer deste amigo e camarada, mas o espaço deste periódico não o permite.

 

 

(In “O Combatente da Estrela”, n.º 134, ABR/2024)


17 de abril de 2024

O jornalismo em Portugal até ao 25 de Abril de 1974

 


Desde a fundação da nacionalidade que houve dispositivos pré-jornalísticos em Portugal, como as crónicas e as cartas. Na segunda metade do século XVI começaram a ser editadas folhas noticiosas ocasionais de temas variados. O século XVII trouxe a Portugal a novidade do jornalismo periódico. Em 1641, graças à necessidade de propagandear a Restauração da Independência, começou a circular no país o primeiro jornal periódico português: a Gazeta.

Entre 1760 e 1762, a Gazeta de Lisboa passou a seguir uma orientação ainda mais administrativa, fornecendo a primeira matriz em que se viria a fundar, futuramente, o diário oficial português, atualmente designado Diário da República.

O início do século XIX foi também o período em que a Europa mergulhou na aventura napoleónica. O Rio de Janeiro tornou-se a capital do Reino de Portugal, do Brasil e dos Algarves.  

A maioria dos periódicos que apareceu em Portugal durante as invasões francesas era de natureza estritamente noticiosa, publicando notícias sobre a guerra peninsular traduzidas de periódicos espanhóis e ingleses.

Durante o período de instabilidade política e de rebeliões que agitou Portugal após 1822, tornou-se inconstante a velocidade a que apareciam, anualmente, novos periódicos.

As eleições de 1848 reconduziram Costa Cabral ao poder. O governo cabralista apresentou, logo nesse ano, um projeto de lei que restringiu a liberdade de imprensa. Embora duramente criticada por cidadãos-jornalistas como Alexandre Herculano e Almeida Garrett, a nova legislação foi promulgada a 3 de agosto de 1850, tendo ficado popular e simbolicamente reconhecida por Lei das Rolha.

Começaram, então, a reaparecer em Portugal jornais populares noticiosos, direcionados para toda a sociedade, com meios técnicos e financeiros que propiciavam grandes tiragens. Inaugura-se, em Portugal, a fase de jornalismo industrial que dará a matriz para os tempos vindouros.

O primeiro número do Diário de Notícias surgiu a 29 de dezembro de 1864.

O sucesso dos jornais noticiosos generalistas “industriais” obrigou alguma imprensa a adaptar-se à nova situação reorientando a sua linha editorial.

No final do século XIX (e até final da Monarquia), a liberdade de imprensa foi, novamente, cerceada em Portugal, passo a passo, pelos últimos governos monárquicos. O humilhante Ultimato inglês de 1890 contra as pretensões portuguesas de unir os territórios coloniais de Angola e Moçambique contribuiu para acirrar os ânimos contra a Monarquia.

A legislação da imprensa aprovada na fase final do período monárquico instituiu, de facto, um regime severamente repressivo da liberdade de imprensa.

Em junho de 1926 a Ditadura Militar entregou a pasta das Finanças a um jovem professor de economia política na Universidade de Coimbra, António de Oliveira Salazar. Este conseguiu equilibrar as contas públicas, em 1929, e acabou por tomar totalmente as rédeas do poder. Para assegurar definitivamente o novo regime, Salazar procurou dar-lhe uma base constitucional. Assim, em 1933, fez plesbicitar uma nova Constituição que pôs fim à Ditadura Militar e deu início ao Estado Novo.

A Constituição de 1933 dotou, assim, o Estado Novo de um instrumento jurídico que lhe permitiu a institucionalização da censura prévia.

 A censura à imprensa (que nunca tinha deixado de existir) continuou desta vez alicerçada na Lei Fundamental.

Os jornais enviavam três provas à Comissão de Censura da sua área, que devolvia uma delas com os carimbos “visado”, “autorizado”, “autorizado com cortes” (assinalados a lápis azul, competindo ao jornal decidir sobre a publicação das notícias parcialmente cortadas), “suspenso” (conteúdos a aguardar decisão superior), “retirado” ou “cortado” (proibição absoluta de referência ao assunto em causa). Os jornais, porém, não podiam deixar espaços em branco ou outros indícios de censura, embora pudessem colocar o aviso “visado pela Comissão de Censura”, na primeira página. Em algumas ocasiões, os Serviços de Censura davam instruções informais aos jornais. Na Guerra Colonial, as vítimas dos combates eram frequentemente referidas como tendo sido vítimas de acidentes de viação. As tentativas de insurreição também eram ou silenciadas ou enquadradas noticiosamente de maneira a favorecer o regime.

Com a morte de Salazar e a sua substituição por Marcelo Caetano, a censura amenizou-se. Porém, a intensificação da Guerra Colonial e dos protestos estudantis levaram o regime a suspender a política de abertura, o que conduziu ao endurecimento da censura.

As dificuldades para o jornalismo durante o Estado Novo não se limitavam à censura e a medidas repressivas como a suspensão da publicação por um determinado período, apreensão de exemplares, multas e mesmo a prisão para jornalistas, editores e vendedores.

Nos anos Sessenta alguma coisa mudou no panorama jornalístico português. Num mundo em mudança, O Primeiro de Janeiro, jornal de referência do Porto, bem como o Diário de Lisboa, o República e o Diário Popular, jornais da capital, conseguiram ser, de algum modo, vozes da oposição democrática ao regime, apesar de serem ultrapassados, em tiragens e circulação, pelo Século e pelo Diário de Notícias, formalmente independentes mas situacionistas,

O lançamento do semanário Expresso, em 1973, por setores da Ala Liberal (que mais tarde, após a Revolução de 1974, se aglutinaram no Partido Social Democrata), encabeçados por Francisco Pinto Balsemão, deu mais uma machadada no autoritarismo do regime sobre a imprensa, já minado por várias publicações clandestinas, como o jornal Avante, do Partido Comunista Português. O jornal oficioso do regime, subvencionado pelo Ministério do Interior, o Diário da Manhã, não tinha circulação significativa.

O triunfo da Revolução desencadeada pelo Movimento das Forças Armadas, no dia 25 de Abril de 1974, permitiu o restabelecimento da liberdade de imprensa em Portugal. Nesse mesmo dia, vários jornais já não foram à censura. Porém, a instabilidade política e o anarquismo social que se viveram no período pós-revolucionário não só colocaram o país perante o cenário catastrófico de uma guerra civil como também contribuíram para o desaparecimento de jornais históricos como o República e para a quase falência de outros, como O Primeiro de Janeiro.

A reconquista da liberdade, em abril de 1974, permitiu também que o telejornalismo se libertasse da censura institucionalizada e se aproximasse da realidade quotidiana das populações.

Até quase aos finais do século XIX, os jornalistas em Portugal, eram, essencialmente, cidadãos que escreviam para os jornais.

 Porém, no século XIX, em especial a partir de 1834, a situação modifica-se, passando os jornais a integrar mais colaboradores, surgindo as funções de editor e de chefe de redação. Para além disso, a qualidade do jornalismo nacional elevou-se devido à colaboração com a imprensa de intelectuais e escritores como Alexandre Herculano, Almeida Garrett, Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Aquilino Ribeiro e Ferreira de Castro. No entanto, foi lenta e gradual a transformação profissionalizante dos “cidadãos jornalistas” e “escritores de jornal” em jornalistas profissionais.

Em 1974, a Revolução de Abril trouxe com ela a liberdade de expressão e de imprensa e colocou Portugal na lista dos Estados de Direito que têm uma conceção liberal do jornalismo.

Fonte: “Uma história do jornalismo em Portugal até ao 25 de Abril de 1974”, Jorge Pedro Sousa (Universidade Fernando Pessoa e Centro de Investigação Media & Jornalismo).

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-04-2024)

 


10 de abril de 2024

SEM O 25 DE ABRIL MUITOS NÃO SALTAVAM PARA A RIBALTA POLÍTICA


Muito já escrevi sobre esta memorável data para várias publicações. Por vezes torna-se difícil encontrar tema com desenvolvimento daquilo que vai no meu âmago, evitando repetições. Vou procurando no baú das memórias. Há dez anos, mais precisamente em 8 de abril de 2014, para este mesmo Semanário, lá ia mais um artigo alusivo sob o título “Do 25 de Abril desfigurado à prescrição”.

Vivi um ciclo de vida de 28 anos em ditadura. Como muitos. Outros ainda em períodos mais dilatados. Fazia pela vida. Tempo de penúria para alguns. E até de dificuldades de ter de comer o pão que o diabo amassou para outros, que não eram poucos.  Optei por continuar os estudos em conjunto com uma profissão. Aos 17 anos iniciava funções ao serviço da edilidade covilhanense. Progredi na carreira possível da altura até que me chamaram para o serviço militar obrigatório. 42 meses. Terminado este, dou o fora para o privado. Neste período ditatorial, os funcionários municipais não tinham direito a assistência médica. Nem a minha Família que, entretanto, constituíra. O sistema de saúde designado ADSE, criado em 1963, não funcionava. Só no papel. Hoje é uma benesse para muitos em desfavor de outros, considerados portugueses de segunda. Muito haveria que falar sobre os sistemas de saúde na portugalidade.

A trabalhar no privado, casado e com dois filhos, e necessitando dos normais cuidados de saúde, toca de desembolsar das algibeiras, sem retorno. Era necessário agora a inscrição no regime geral da Segurança Social. Mas havia um mas…  Tal como na edilidade covilhanense não tinha direito a assistência médica, também agora, no início do trabalho no privado, em terras do Côa, para lá do Sabugal, só funcionavam os direitos após um ano de contribuições para o Estado Novo.  Continuava a ser um português de segunda, embora já anteriormente tivesse sido um português de terceira.

Eram então os meus 26 anos, com um vencimento que dobrava o que usufruía na Câmara Municipal. Mas não estava habituava a viver numa aldeia, fora da família. Começam então os efeitos psicológicos.  Depois de provas escritas anteriormente efetuadas no BNU, em Lisboa, chamam-me para me apresentar em Setúbal. Desisti. Valeu a pena porquanto em 01 de junho de 1973 assumia as funções de gestor comercial com escritórios na Covilhã, duma seguradora multinacional, passando posteriormente a exercê-la duma forma empresarial. Foi o volte-face da minha vida, até aos dias de hoje.

Nos meus 28 anos, apanha-me o 25 de Abril a trabalhar com grande fulgor. Surgem períodos conturbados, outros de oportunistas, outros de não olharem a meios para atingir os seus fins. Mantive a minha linha de conduta, que me deu prestígio. A vida profissional, em duas multinacionais, fez-me ganhar resmas de amigos, de tal forma que saí sempre pela porta maior.

A minha falta de recursos enquanto criança e adolescente, sem jamais passar férias fora da Terra onde nasci, nesta altura, levou-me ao gosto pela cultura, com a maior parte do tempo na passagem pela antiga Biblioteca Municipal, ao Jardim. Vim a escrever livros e centenas de notícias e crónicas, das quais mereci referência nalguns periódicos. Algumas, em tempo de ditadura, remetiam-me para um certo receio da censura quando via alguns conhecidos a serem alvo da perseguição pidesca a caminho da cadeia. Retirei-me da Oposição Democrática (CDE) quando vim a saber que o indivíduo que secretariava era informador da PIDE/DGS. Numa passagem de há sete anos pela Torre do Tombo, consultada a minha documentação, apenas constavam carimbos da PIDE, com a informação: “Nada consta”.

Com o 25 de Abril de 1974 vem surgir uma geração que não soube o que era passar pelos sacrifícios emanados dos períodos salazarista e marcelista, no atraso onde quase tudo faltava.

Só muito lentamente se consegue ir fazendo abortar oportunistas e desorganizações do PREC, o dissipar do medo dos fugidos para o Brasil e outras paragens, a habituação a uma outra forma de viver chamada DEMOCRACIA. Mesmo assim jamais deixou de haver ventos e marés.

E enquanto muitos que enfileiraram na década de 60 a caminho da emigração, famintos, mas que depois vieram tentando a garbosidade falante dum francês que jamais seria vernáculo, contruíram cá as suas casas, trouxeram dinheiro para o empobrecido País à beira-mar plantado.

Mas!... Cá estou eu com a mania das conjunções. Repito o que escrevi há 10 anos neste Semanário: “E, neste período, alguns petizes que mal palmilhavam os caminhos desta Terra de Santa Maria, iam crescendo, crescendo, e viriam a saltar para a ribalta da política, entre jotas, boys e girls para hoje nos (des)governarem, com beijos e abraços na ‘catedral’ de S. Bento e suas traseiras”.

Pois é, quando há 50 anos vivi a Revolução dos Cravos, como tantos Covilhanenses e Portugueses, acordados por um sonho lindo, nem sequer passava pela minha cabeça que a nova vida nos haveria de mostrar uma face de grandes dificuldades, que, no entanto, também foi contrastando com outras de grande júbilo e esperança dum Portugal melhor. É nesta última vertente paradoxal, para qual todos devemos estar virados.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 10-04-2024)

 

5 de abril de 2024

VAMOS COMEMORAR O INEQUIVOCÁVEL DIA DA LIBERDADE

 


Esta é uma efeméride memorável para os portugueses, causa que corresponde a meio século de democracia.

Só quem passou pelos negros tempos da ditadura, sabe avaliar o quão importante é esta data.

Foram longos períodos de sofrimento, anos, que muitos dos que hoje se aproveitam dos momentos que correm de liberdade, esta que eles jamais souberam apreciar, comparativamente com guerras fratricidas entre portugueses, sem distinguir cores, não sabem, ou não querem saber do que falam da intimidade daqueles tempos vividos na miséria em vários quadrantes.

Há dois anos, mais precisamente no dia 23 de março de 2022, foi o dia em que o tempo vivido em democracia se equiparou ao tempo em que os portugueses viveram em ditadura, ou seja: 17.499 dias. Penso já ter falado deste assunto.

Naquela data, a jornalista do Público, Leonete Botelho, titulava o seu artigo: “50 anos do 25 de Abril: uma cápsula do tempo que se fecha e outra que se abre”. “Hoje é o dia em que vivemos tanto tempo de democracia como Portugal viveu em ditadura durante o Estado Novo. E o dia em que começam as comemorações oficiais dos 50 anos da Revolução do Cravos, com um programa em construção e os olhos postos no futuro”.

Os 60 anos da crise académica de 1962, quando o Estado Novo proibiu as Comemorações do Dia do Estudante, comemoraram-se também há dois anos, no dia 24 de março. Aquele que chegara a ser um dos Presidentes da República em Portugal, em democracia, Jorge Sampaio, que já não se encontra entre nós, e fora então líder estudantil à data, afirmara: “o 25 de abril começou a 24 de março”. Foi por isso que nesta data (24 de março de 2022) arrancaram as comemorações oficiais dos 50 anos do 25 de Abril e “será fechada uma cápsula do tempo com memórias de hoje, que só deverá ser aberta a 25 de abril de 2074, no centenário da Revolução dos Cravos. Mas se uma cápsula se fecha, outra se abre, a das memórias”.

Foi em 2022 que houve a oportunidade de se comemorar uma caterva  de eventos gerados em tempos da ditadura: os 50 anos da publicação de Novas Cartas Portuguesas, das “três Marias”, assim como do Portugal Amordaçado, de Mário Soares, e ainda Dinossauro Excelentíssimo, de José Cardoso Pires. Mas foi também o cinquentenário da Vigília da Capela do Rato e do massacre de Wiriamo, no qual tropas portuguesas, a mando do Estado português, mataram pelo menos 385 pessoas daquela aldeia moçambicana.

No dia 3 de abril de 2024, uns dias antes do grande acontecimento em que Salgueiro Maia – o capitão que comandou a coluna de blindados que desceu de Santarém para vir cercar os ministérios no Terreiro do Paço, que fez o ultimato a Marcelo Caetano e o levou à rendição perante o general Spínola, e depois escoltou o então presidente do Conselho até ao aeroporto de onde partiu para o exílio, tudo sem disparar um tiro, tendo assim  o seu forte contributo para acabar com a ditadura em Portugal, passarão 32 anos da sua morte.

Esperemos que estas Comemorações, com os programas há muito delineados, sejam revestidas não só do brilhantismo que merecem mas principalmente de verdadeiros momentos de patriotismo, agora que já se realizaram as novas eleições antecipadas para a Assembleia da República, em que vai haver momentos nada fáceis para levar o navio a navegar por águas tranquilas. Mas, entre ventos e marés, tenhamos fé.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

  • (In “O Olhanense”, de 01-04-2024)

18 de março de 2024

JOÃO DE DEUS (1830-1896)

 


Dou hoje por findos alguns textos sobre a vida de vários dos nossos principais escritores, baseando-me na História da Literatura Portuguesa – Século XIX – XX.

Escrevo esta crónica no dia seguinte à realização das eleições legislativas para a composição da Assembleia da República. Chegará a altura em que o novo governo saído destes eleições fará o seu juramento da praxe, na sua tomada de posse: “juro, por minha honra, que cumprirei com lealdade as funções que me são confiadas”. Também eu o fiz, noutras ocasiões, mas por escrito, que era mais uma declaração que um juramento, na qualidade de funcionário duma Câmara Municipal, mas em tempos de ditadura (anos 60 do século XX), se é que queria emprego ou então levava um pontapé no rabo. Deduz-se que os investidos, sejam eles o cantoneiro, o diretor-geral ou o ministro são pessoas de bem. Todos optam por servir-se do Estado.  Ao longo da estrada, quando o pó começa a tirar a graxa aos sapatos, por vezes surgem os imponderáveis. Esperemos que os exemplos que pesaram agora nas decisões desta votação, contrariamente ao esperado, possam avivar a memória do que é honrar a Pátria e ser um exemplo clarificador da inexistência de contradições, oportunismos e mal-entendidos.  

Mas vamos então falar de João de Deus. Nasceu em S. Bartolomeu de Messines, no Algarve. Primeiros estudos na sua terra natal, em 1849, para depois se matricular na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Por ali andou dez anos a tirar um curso que normalmente se tira em cinco. Formou-se em 1849, ficando em Coimbra mais três anos. Foi nessa altura que se relacionou com moços que depressa viriam a ser glórias das letras nacionais: Antero, Eça de Queirós, Teófilo Braga, Alberto Sampaio. De 1862 a 1864 entregou-se ao jornalismo em Beja. Passados quatro anos, foi eleito deputado pelo círculo de Silves. Entretanto, foi-se tornando popularíssimo e a sua poesia era considerada como um soluçar de alma da Nação. Em 8 de março de 1895, a mocidade académica de Lisboa envolveu-o numa carinhosa e significativa homenagem, que teve foros de consagração nacional. Morreu em 11 de janeiro de 1896.

João de Deus deixou-nos estas duas obras: Cartilha Maternal (1876), e Campo de Flores (1893).

João de Deus escreveu esta obrazinha – “Cartilha Maternal” – para as crianças aprenderam a ler. As Cortes declararam-na método nacional em 1888. Foi o livrinho acarinhado por muitas pessoas, entre as quais D. Carolina Micaelis; mas também alvo de ataques verrinosos, que, em prosa e verso, o autor pretendeu neutralizar.

Com a ajuda de Teófilo Braga, compilou João de Deus todas as suas poesias, em parte já publicadas, e reuniu-as juntamente com uma peçazinha de teatro numa obra a que deu o romântico título de Campo de Flores.

João de Deus só cantou o que sentia na alma como autenticamente seu. É natural que ficasse impressionado com leituras da Bíblia, de Dante e de Petrarca, de Camões e de Tomás António Gonzaga, até mesmo de Vítor Hugo. Mas estes poetas não exerceram no seu estro outro influxo que não fosse o tornar conscientes as preocupações do seu mundo íntimo, talvez pouco variado e pouco complicado, mas precioso e delicadíssimo: o amor, a religião, a afetividade e a concórdia.

Confessa o poeta que tinha pelo tema do amor uma inclinação quase doentia, que o amor era para ele uma espécie de ideia fixa. E ninguém como ele, depois de Camões, fez vibrar o encantamento do amor em melodias tão suaves e tão espirituais.

Todavia, o amor em João de Deus não é uma pura abstração. Quase todos os seus poemas eróticos se exprimem na segunda pessoa. Quer dizer que são diálogos com supostas amadas. Mas o poeta ignora o amor sensual; não desfere tons de carnalidade como José Anastácio da Cunha e Garrett. A mulher que canta é a mulher-anjo; e o amor de que ela é objeto é o amor-adoração.

A mulher surge na poesia de João de Deus retratada sobretudo através das qualidades morais: “graça aérea, pureza, ingenuidade, timidez, candura, quanto há de frágil e delicado”

João de Deus não se notabilizou pelo arrojo das imagens, como Herculano e Soares de Passos, por exemplo. A sua natural simplicidade satisfez-se com figuras vulgarmente poéticas. As metáforas que usa, se bem que delicadas, são muito repetidas. Carrega-as, porém, de expressividade, uma vez enfiando-as em ladainha, outras vezes colocando-lhes ainda por cima atributos.

Repare-se na enumeração anafórica das metáforas com que nos dá a ideia da fugacidade da vida – dia, ai, sombra, nuvem, sonho, fumo, flor, sopro, estrela cadente, pena caída:

A vida é o dia de hoje, /a vida é ai que mal soa, /a vida é sombra que foge, /

a vida é nuvem que voa;/a vida é sonho tão leve/que se desfaz como a neve/

e como o fumo se esvai:/a vida dura um momento, /mais leve que o pensamento, /

a vida leva-o o vento, /a vida é folha que cai! / A vida é flor na corrente, /

a vida é sopro suave, /a vida é estrela cadente, /voa mais leve que a ave. /

Nuvem que o vento nos ares, / onda que o vento nos mares/uma após outra lançou:

a vida, pena caída/ da asa de ave ferida, / de vale em vale impelida,

        a vida o vento a levou!  (A Vida)   

Se bem notámos, o dia é de hoje, o ai mal soa, a sombra foge, a nuvem voa, etc., o que torna a ideia de brevidade, inerente às imagens, de uma expressividade ímpar.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-03-2024)